As 30 primaveras da Constituição Cidadã e os caminhos da redemocratização

Segunda-feira, 05 de Novembro de 2018 12:04


 

"A persistência da Constituição é a sobrevivência da Democracia.”

(Ulysses Guimarães)

 

No dia 05 de outubro comemorou-se 30 anos da Constituição Federal Brasileira, a dita Constituição Cidadã de 1988, considerada um marco do Estado Democrático Brasileiro, com a transição do regime ditatorial para a democracia e assegurando a efetividade dos Direitos Humanos e da soberania popular. O dia em que o país cantou a “evolução da liberdade até o dia clarear”!

Sendo que antes dessa vida boa, olerê, o Brasil enfrentou outras seis Constituições, com seus conteúdos refletindo o contexto político em que surgiram, desde a independência do país até os dias atuais. Iniciamos com a imposta em 1824 por D. Pedro I, então Imperador do país, reconhecendo um governo monárquico hereditário, com a criação do Poder Moderador que lhe conferia amplos poderes.

Quase 70 anos depois é dado os primeiros passos para uma sonhada democracia com a proclamação da República Federativa do Brasil. Nesse contexto, foi aprovada a Constituição de 1891, instituindo o governo republicano presidencialista, extinguindo o poder moderador e o voto censitário. Adiante, com o fortalecimento de setores sociais e políticos, a Era Vargas nos trouxe a Constituição de 1934, criando o voto obrigatório secreto e o voto feminino, além da base para a legislação trabalhista, medidas nacionalistas, populistas e democráticas, dentre outras mudanças sociais e econômicas.

Dado um breve suspiro de inovação, a Era Vargas desencadeou uma onda de retrocesso democrático com o Golpe de Estado dado por Getúlio Vargas para manter-se no poder, inaugurando o Estado Novo, um governo ditatorial que se instalou com apoio da elite e amparado no discurso de combate à “ameaça comunista”. Sob o pretexto de um plano comunista de tomada do poder, Vargas dissolveu o Congresso Nacional e impôs o texto constitucional de 1937, que ficou conhecido como a Constituição da Polaca por suas inspirações fascistas, legitimando os poderes absolutos do ditador, assim como a intervenção do Estado na economia, a perseguição aos opositores e a censura da imprensa e de manifestações artísticas.

Superado o regime ditatorial de Vargas, o país respirou uma curta redemocratização, entrando em vigor a Constituição de 1946, que buscou a ordem constitucional, porém veio sem uma base sólida que a fizesse permanente. Se valendo da fragilidade democrática que tentava se reerguer, os militares orquestraram o Golpe de 1964, novamente sob a justificativa de impedir um “golpe comunista” no país. Enterrou-se assim a nossa democracia, subtraindo nossa pátria mãe tão distraída em tenebrosas transações. Na conjuntura do Regime Militar, lançados diversos decretos autoritários, elaborou-se a Constituição de 1967, um projeto dos militares marcado por restrições civis e políticas, perseguições, censuras, repressões, prisões e torturas daqueles que se opuseram ao governo. A Lei Maior vigente e seus Atos Institucionais davam respaldo legal as práticas arbitrárias adotadas e a expansão do autoritarismo.

Diante da resistência popular, manifestantes civis e vários artistas seguiram contra a corrente, fazendo florescer um forte movimento de luta pelo fim da ditadura e retorno da democracia, inclusive com apoio de pessoas que no início apoiaram a subida dos militares ao poder. Em uma frase memorável, Carlos Lacerda, um dos apoiadores do golpe que passou a resistir ao governo militar, anunciou: “na medida em que ajudei esses aventureiros a tomar o poder, tenho o dever de mobilizar o povo para corrigir esse erro do qual participei”. Dar-se início a despedida da dor de uma gente sofrida pelo governo ditatorial.

Passado o longo período de instabilidade constitucional e democrática que pairava sobre o Brasil, o então presidente José Sarney, dando continuidade a promessa de redemocratização do Tancredo Neves - presidente eleito indiretamente a quem Sarney substituiu após seu falecimento -, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte em 1987, sob o comando do deputado Ulysses Guimarães, junto a outros 559 parlamentares, e com a participação dos cidadãos e das entidades representativas, para a construção da nova Constituição, que viria a ser promulgada em 05 de outubro de 1988.

As medidas abordadas visavam o fortalecimento do processo de redemocratização no país, que após anos abalado pela repressão e violência do governo, não poderia mais deixar espaço para que a esperança do Estado Democrático voltasse a andar em corda bamba. 

Nesse sentido, o maior diferencial do novo texto constitucional tratava-se justamente da participação popular em sua elaboração, podendo apresentar suas reinvindicações – por isso intitulada por Ulysses de Cidadã. Essa inovação buscava atender aos anseios do povo e consequentemente combater problemas que se intensificaram no país no período do regime militar, como a desigualdade social e a crise econômica, política e social.

A Carta Magna que substituiu o texto de 1967 destacou-se como uma das mais progressistas na consagração de direitos e deveres, com um texto abrangente na luta pela igualdade material, liberdade, proteção ao meio ambiente e à família, ampliando garantias individuais, retomando as eleições diretas, pondo fim na censura à imprensa, estabelecendo direitos trabalhistas, trazendo a reforma ao sistema tributário e eleitoral, dentre outros alcances.

Logo de início, o texto normativo já surge tratando dentre os seus objetivos gerais da garantia de uma sociedade livre, justa, solidária e sem preconceitos, consagrando uma democracia econômica, social e cultural, em prol, principalmente, da dignidade da pessoa humana. Todos passaram a ser iguais perante a lei, com direito à igualdade, liberdade, segurança e propriedade. Solidificam-se as bases para um governo democrático, conduzido pela soberania popular.

Apesar de tudo, com três décadas da sua aprovação e algumas emendas ao texto original, nossa Constituição é colocada em prova diariamente, enfrentando críticas quanto à necessidade de revisão para adequar-se as demandas atuais. Em tempos modernos, face as constantes propostas de reformas, nossa Constituição vive por um fio, abraçada à nossa democratização sempre tão instável.

É preciso estarmos atentos aos perigos na esquina, para não deixarmos a história se repetir. Não podemos esquecer nunca que a Constituição é para o povo e recai sobre nós a responsabilidade de preservá-la! A solidez da nossa Lei Maior é a sustentação de um Estado Democrático e é nosso dever lutar para vivermos em pleno direito, com todo respeito, por uma nação, para sermos cidadãos, garantindo que o novo sempre virá para o melhor.

De braços dados ou não, somos sim todos iguais e devemos seguir caminhando firmes na resistência por nossa ordem democrática, para que os jardins floresçam todo ano em comemoração a cada primavera da Constituição Cidadã.

 

JPegado Advogados

Morgana Silveira - advogada

 
 
 

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